Esta decisão é muito importante porque as pessoas humildes, em situação de vulnerabilidade, no desespero da doença, da depressão, das dificuldades do cotidiano, recorrem as Igrejas na tentativa de aliviar a sua dor ou até mesmo pensando numa cura. Às vezes a doença se agrava dependendo da orientação que receberam.
Noticia extraída na íntegra do JORNAL DA OAB
Segundo decisão, a congregação influenciou na opção do então fiel de abandonar o tratamento médico em nome da cura pela fé. O autor ainda foi orientado a se relacionar sexualmente com a esposa sem o uso de preservativos, como prova de fé, acabando por transmitir-lhe o vírus, além de ceder bens materiais para o grupo religioso.Um homem portador do vírus da AIDS receberá R$ 300 mil da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) a título de ressarcimento por danos morais. A decisão, unânime, é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que avaliou como fundamental a influência da Igreja na opção do então fiel de abandonar o tratamento médico em nome da cura pela fé.Conforme os autos do processo, o soropositivo ainda teria sido levado a se relacionar sexualmente com a esposa sem o uso de preservativos, como prova de fé, acabando por transmitir-lhe o vírus, e a ceder bens materiais para a IURD.O valor da indenização foi majorado pelo colegiado em quase 760% e considerou, principalmente, o estado crítico de saúde a que o homem chegou por deixar de tomar a medicação, em setembro de 2009. Poucos meses depois, com a queda da defesa imunológica, uma broncopneumonia obrigou-o a ficar hospitalizado por 77 dias, sendo 40 deles sob coma induzido. Chegou a perder 50% do peso. O homem adquiriu o vírus em 2005.A condenação consta de duplo recurso, concedendo o aumento da indenização buscado pelo autor, e negando o pleito da IURD de reversão da sentença da juíza Rosane Wanner da Silva Bordasch, que fixou a reparação em R$ 35 mil. Além disso, a entidade pedia a nulidade da sentença, sugerindo que a magistrada de 1º Grau teria agido de forma a favorecer o autor da ação. Rejeitada, essa exceção de suspeição alegava “ausência de imparcialidade por convicções religiosas”.Para o relator do apelo no TJ, desembargador Eugênio Facchini Neto, os laudos médicos e o depoimento da Psicóloga são provas de que o abandono do tratamento pelo paciente se deu a partir do início das visitas aos cultos. Esse fato, somado a outras provas (indiretas), como testemunhos e matérias jornalísticas, convenceram o magistrado sobre a atuação decisiva da Igreja no sentido de direcionar a escolha.As provas citadas incluíam: declaração em redes sociais sobre falsas curas da AIDS propaladas por um bispo da IURD, documento da própria igreja recomendando sacrifício perfeito e não em parte para os que creem em Deus, gravação de reportagem de jornal de âmbito nacional com investigação sobre coação moral praticada durante os cultos, e testemunho de ex-bispo que admite ter doado “tudo o que tinha” para obter a cura da filha.Avaliou o desembargador Facchini: “Assim, apesar de inexistir prova explícita acerca da orientação recebida pelo autor no sentido de abandonar sua medicação e confiar apenas na intervenção divina, tenho que o contexto probatório nos autos é suficiente para convencer da absoluta verossimilhança da versão do autor”.Aprofundando o tema, o magistrado discorreu sobre a importância social da religião, sua capacidade de aglutinação e como, na história multimilenária do homem, tem servido de conforto e esperança nos momentos de vulnerabilidade dos que nela têm fé. Junto a essa reflexão, tratou de como a proteção da confiança - inclusive a religiosa - corresponde a um princípio ético-jurídico, razão pela qual quem induz a confiar deve responder, caso frustre essa expectativa:“No caso em tela, a responsabilidade da ré, reside no fato de ter se aproveitado da extrema fragilidade e vulnerabilidade em que se encontrava o autor, para não só obter dele vantagens materiais, mas também abusar da confiança que ele, em tal estado, depositava nos 'mensageiros' da ré”.Além do mais, continuou o desembargador Facchini, “(...) pessoa ou instituição que tem conhecimento de sua influência na vida de pessoas que a tem em alta consideração, deve sopesar com extrema cautela as orientações que passa àqueles que provavelmente as seguirão”.Quanto ao valor da indenização, o significativo aumento foi justificado pelos graves danos causados ao doente e à dimensão de potência econômica da Igreja Universal do Reino de Deus, a quem a fixação da indenização em R$ 300 mil deverá ter caráter pedagógico, finalizou o desembargador Facchini.Ao seguir a decisão do relator, o desembargador Carlos Eduardo Richinitti acrescentou severas críticas àqueles que, em nome de Deus, ameaçando com a ira satânica, constroem um lucrativo negócio financiado, muitas vezes, pelo medo.“Não se trata de discutir a pertinência ou não da religião, ou questionar a crença de cada um, salientou. Sem meias palavras, a religião virou, no Brasil, um grande negócio, planejado e que se espraia por vários segmentos da nação. Não foi para materializar essas distorções que a Constituição assegurou a liberdade religiosa”, asseverou o desembargador Richinitti.Também votou no mesmo sentido o desembargador Miguel Ângelo da Silva.O número do processo não foi divulgado.Fonte: TJRS
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